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Artigo – O Pacto Antenupcial e o Direito Sucessório do Cônjuge: Novas Interpretações para os mesmos problemas

O pacto antenupcial, também denominado pacto nupcial ou pacto pré-nupcial tem, recentemente, sido objeto de grandes debates. Trata-se de negócio jurídico sui generis do Direito de Família, que tem seu espaço próprio no ordenamento jurídico . O pacto antenupcial possui características próprias: o pessoalismo, o formalismo, o ser nominado e o ser legítimo. É um negócio pessoal, uma vez que só os nubentes podem ser partes ; formal, devendo ser realizado por escritura pública; e nominado, pois possui previsão legal. Fomos procurados, em 2019, para lavratura de um pacto antenupcial, tendo sido afirmado pelos nubentes que queriam optar pelo regime de separação total de bens e que gostariam de constar no pacto a renúncia a futura herança.

Em 2019, analisando o referido caso, escrevemos um artigo denominado O PACTO ANTENUPCIAL E A RENÚNCIA À HERANÇA e defendemos que o tabelião não deveria lavrar um pacto em que o cônjuge renunciasse à herança, tendo em vista a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – STJ. Mas sabemos que não podemos permanecer estáticos. Os tabeliães, que são aqueles aos quais imediatamente são apresentadas as mudanças legais, doutrinárias e jurisprudenciais, têm que atender às solicitações daqueles que os procuram. Tabelionatos, como bem ensina o Professor Paulo Hermano Soares Ribeiro, são “templos da autonomia privada” , neles se dá forma jurídica à vontade das pessoas. O Direito se modifica na medida em que a sociedade muda, evolui: o Direito se relaciona com o contexto social. Qual seria a nossa resposta hoje àquela mesma questão apresentada? Lavraríamos ou não o pacto antenupcial?

1) OS LIMITES PARA O PACTO ANTENUPCIAL

No Brasil, o Código Civil estabelece que os nubentes podem, “antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver”, conforme artigo 1.639. Sobre os limites para o pacto, a lei é lacônica, restando para o intérprete a fixação dos limites para a convenção .

Não há dúvida de que o objeto do pacto antenupcial tem que ser lícito. No artigo 1.653 determina o Código Civil que: “É nulo o pacto antenupcial se não for feito por escritura pública, e ineficaz se não lhe seguir o casamento”. A determinação legal de que o pacto seja lavrado por instrumento público fundamenta-se principalmente na prévia análise pelo tabelião da legalidade daquilo que está sendo estipulado. Tepedino lembra que, dentre as funções desempenhadas pelos notários, destaca-se a de qualificar juridicamente a vontade das partes, “redigindo o instrumento jurídico adequado aos seus interesses, de modo a garantir-lhes eficácia.”

O notário não é simples receptor de negócios jurídicos, cabe a ele dar à manifestação de vontade das partes uma forma escrita, de forma que a que o negócio jurídico tenha eficácia por ser adequado à lei. Brandelli afirma que “o tabelião deve moldar juridicamente os negócios privados, a fim de que estes enquadrem no sistema jurídico vigente, prevenindo, por conseguinte, e, evitando ao máximo, que futuros vícios sejam aventados, bem como que lides se instaurem sobre a questão”.

Segundo o art. 1.655 do Código Civil, “É nula a convenção ou cláusula dela que contravenha disposição absoluta de lei”. O art. 104 do mesmo Código, ao elencar os requisitos de validade dos negócios jurídicos, estabelece “objeto lícito, possível, determinado ou determinável”. O tabelião não deve lavrar atos nulos. Sendo o ato nulo, é dever do tabelião orientar as partes e negar a lavratura do ato. No ato nulo, o vício é de ordem pública, que atinge o negócio deste seu surgimento e se pronuncia ex officio.

2) É POSSÍVEL, NO PACTO ANTENUPCIAL, A RENÚNCIA À HERANÇA DO FUTURO CÔNJUGE?

Mário Luiz Delgado e Jânio Urbano Marinho Júnior defendem que seja dada uma nova interpretação ao artigo 426 do Código Civil, afastando-se de uma leitura tradicional do dispositivo. Para eles, a interpretação que vem sendo feita do artigo 426 tem levado à condenação absoluta da renúncia prévia, em pacto antenupcial, de qualquer direito sucessório por parte de cônjuges. Os mencionados doutrinadores argumentam ser possível a renúncia à herança do cônjuge no pacto antenupcial.

Rolf Madaleno também defende que cônjuges possam, no pacto antenupcial, renunciar ao direito concorrencial previsto no art. 1.829 do Código Civil: cônjuges podem projetar para o futuro a renúncia de um regime de comunicação de bens, tal qual podem projetar para o futuro a renúncia expressa ao direito concorrencial dos incisos I e II, do artigo 1.829 do Código Civil brasileiro, sempre que concorram na herança com descendentes ou ascendentes do consorte falecido. Para Rolf Madaleno, a renúncia de direitos hereditários futuros não só não afronta o artigo do Código Civil (pacta corvina), como diz notório respeito a um mero benefício vidual, passível de plena e prévia abdicação, que, obviamente, em contratos sinalagmáticos precisa ser reciprocamente externada pelo casal, constando como um dos capítulos do pacto antenupcial, condicionado ao evento futuro da morte de um dos cônjuges e da subsistência do relacionamento afetivo por ocasião da morte de um dos consortes e sem precedente separação de fato ou de direito.

Ocorre que a nova interpretação doutrinária sobre a renúncia do cônjuge ao seu direito de herança ainda não foi acolhida pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ. No REsp 954567/PE, de 2011, foi vedada essa renúncia no pacto antenupcial, tendo o acórdão esclarecido que o “artigo 1.655 do Código Civil impõe a nulidade da convenção ou cláusula do pacto antenupcial que contravenha disposição absoluta de lei”.

O mesmo STJ, em 2017, manifestou-se sobre a impossibilidade de renúncia de direitos hereditários antes de efetivada a condição de herdeiro, tendo declarado que, a disposição de herança, seja sob a forma de cessão dos direitos hereditários ou de renúncia, pressupõe a abertura da sucessão, sendo vedada a transação sobre herança de pessoa viva. O acórdão fundamentou-se no falto de que seria nula a cessão de direitos hereditários em que os cessionários dispuseram de direitos a serem futuramente herdados. “A disposição de herança, seja sob a forma de cessão dos direitos hereditários ou de renúncia, pressupõe a abertura da sucessão, sendo vedada a transação sobre herança de pessoa viva.”

Apesar de a jurisprudência do STJ ainda não ter observado o avanço da discussão sobre a renúncia do cônjuge à herança no pacto antenupcial, concordamos com Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza, que afirma que, na sociedade atual, “as uniões e suas dissoluções ocorrem com muita frequência, sem as amarras dantes existentes”, razão pela qual “é de se refletir com mais atenção sobre os anseios das pessoas que pretendem se unir, permitindo que tenham mais liberdade nas decisões sobre seu patrimônio, e que possam planejar suas sucessões sem intervenções tão drásticas do Estado.”

Realmente, não há que se confundir um ato em que os nubentes manifestam perante o tabelião que querem se casar, mas não querem ser herdeiros um do outro, com um ato socialmente reprovável, que é a negociação de herança de uma pessoa viva, com interesse, portanto, de que ela venha a falecer para que possa ser concretizado o negócio. Esse último caso seria sim “pacta corvina”, mas o primeiro ato não. A renúncia recíproca dos cônjuges à herança não contraria a ordem pública e não prejudica terceiros.

Mario Luiz Delgado afirma que não há necessidade de alteração da legislação para que os nubentes possam renunciar à herança do futuro cônjuge, pois “a interpretação do artigo 426 deve ser necessariamente restritiva, de modo a abranger apenas a proibição expressa na dicção da lei, qual seja, a de se contratar a herança de pessoa viva, sem participação dessa pessoa”.

Concordamos com Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza: “O pacto antenupcial não tem a mesma natureza jurídica dos contratos a que se refere o art. 426, inserido no Livro que trata das Obrigações pelo Código Civil. É instituto do Direito de Família e, portanto, como afirmado por Mário Luiz Delgado, não deve ser alcançado por uma interpretação extensiva do disposto no artigo em comento.”

Assim, como deve agir o tabelião ao receber a solicitação de inserção no pacto antenupcial de cláusula de renúncia recíproca à condição de herdeiro pelos cônjuges? Deve ser observada a autonomia de vontade das partes, consentânea com os anseios mais atuais da sociedade. Não existe nulidade, ao exame da legislação brasileira, conforme vem demonstrando doutrina de peso. No entanto, há riscos de que essa cláusula não venha a ser aceita no futuro, riscos dos quais as partes devem ser advertidas.

Assim, sem deixar de observar a liberdade dos nubentes, mas considerando a necessidade de esclarecer as partes sobre os riscos dessa opção, sugere-se que o tabelião inclua no pacto antenupcial a seguinte cláusula:

Se, à época do falecimento das partes, a legislação ou a jurisprudência permitir, optam por não participarem de futura sucessão um do outro, quando em concorrência com os descendentes ou ascendentes, restando afastada, assim, a regra de concorrência dos incisos I e II, do artigo 1.829, do Código Civil, uma vez que ambos têm seus patrimônios totalmente separados, não desejando, nem por sucessão, caso exista concorrência, receber patrimônio um do outro. Desejam permanecer na sucessão um do outro quando não houver descendentes, nem ascendentes, e o cônjuge sobrevivente for o único herdeiro, chamado a suceder como herdeiro universal e necessário . Pelo Tabelião foi esclarecido às partes que a efetividade dos efeitos patrimoniais da presente cláusula depende de convergência das fontes de direito, em razão do teor dos artigos 426 e 1.655, ambos da Lei 10.406/02 (Código Civil Brasileiro), segundo os quais, respectivamente: “Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva”; e “É nula a convenção ou cláusula dela que contravenha disposição absoluta de lei”. Os nubentes foram informados ainda de que a renúncia recíproca ao direito de suceder e à herança, como pretendido, pode depender de ato ratificatório, a teor do disposto no art. 1.806 da Lei 10.406/02. As partes declaram que compreendem a advertência, todavia, utilizando da faculdade constante do caput do artigo 1.639 do Código Civil, optam por manter a avença consignada no presente pacto, sabedores de seu conteúdo meramente enunciativo.

Na mesma linha da cláusula acima proposta, o Código de Normas do Extrajudicial do Rio de Janeiro , no seu art. 390§ 3º, assim estabeleceu: “A cláusula de renúncia ao direito concorrencial (art. 1.829, I, do CC) poderá constar do ato a pedido das partes, desde que advertidas quanto à sua controvertida eficácia.”

CONCLUSÃO

Concluímos que cabe ao tabelião agir com precaução, orientando as partes sobre o melhor caminho e evitando futuros litígios, mas a autonomia da vontade daqueles que buscam o notário deve ser observada quando não envolva nulidade. O tabelião faz a sua parte ao lavrar o pacto antenupcial no qual consta a manifestação de vontade dos cônjuges de não participarem da herança um do outro se, à época do falecimento das partes, a legislação ou a jurisprudência permitir, cientes dos riscos de que a referida cláusula venha ser questionada no futuro e da possibilidade de ser exigida, após o falecimento, uma ratificação.

Para que a situação seja definitivamente solucionada, cabe às Corregedorias dos diversos estados da federação disciplinar a questão, como foi feito no Rio de Janeiro, ou poderia o Conselho Nacional de Justiça expedir uma norma nacional. Outra solução seria a alteração do Código Civil para permitir de forma expressa a renúncia à condição de herdeiro entre os cônjuges.

Por Gabriela Franco Maculan Assumpção e Letícia Franco Maculan Assumpção

Gabriela Franco Maculan Assumpção é graduada em Direito pela PUC/MG. Escrevente no Cartório de Registro Civil e de Notas do Distrito do Barreiro, em Belo Horizonte, MG.

Letícia Franco Maculan Assumpção é graduada em Direito pela UFMG, pós-graduada, mestre e doutoranda em Direito. Oficial do Cartório do Registro Civil e Notas do Distrito de Barreiro, em Belo Horizonte, MG. Diretora do Instituto Nacional de Direito e Cultura – INDIC. Professora em pós-graduações. Presidente do Colégio Registral de Minas Gerais e Diretora do Recivil. Autora dos livros Notas e Registros, Casamento e Divórcio em Cartórios Extrajudiciais do Brasil e Usucapião Extrajudicial, além de diversos artigos na área do direito notarial e registral.

Fonte: Recivil

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Na última terça-feira (23), o Tabelionato Bianchin juntou-se oficialmente à campanha “Segurança Jurídica e Saúde!”, promovida pelo Colégio Notarial do Brasil – Seção Mato Grosso (CNB-MT). A ação tem como objetivo conscientizar sobre a importância do cuidado com a saúde física e mental, através da promoção de hábitos saudáveis e incentivo ao cuidado pessoal em todos os aspectos da vida, por meio de informações, dicas e incentivos que podem ser aplicados no cotidiano das pessoas, afim de incorporar o auto cuidado em suas rotinas.

A iniciativa destaca a relevância dos pequenos cuidados que geram ótimos benefícios para a saúde física, mental, emocional e relacionamentos interpessoais, dentre esses, a sensação de bem-estar, equilíbrio e energia para enfrentar desafios diários. Enfatiza, também, que o tempo dedicado a si mesmo, deve ser considerado um investimento de alto impacto em busca de uma melhor qualidade de vida.

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O projeto segue um calendário no qual cada mês possui um tema a ser abordado, em apoio à algumas causas já existentes. Em abril, o enfoque é a campanha Abril Azul, que visa a consciencialização sobre o autismo e a busca por respeito, compreensão e igualdade à comunidade TEA.

O que é Nomeação de Inventariante?

Nomear um inventariante é designar o responsável pelo espólio, no inventário — conjunto de bens, direitos e obrigações deixados por uma pessoa após o seu falecimento — conhecido como inventariante. Essa medida facilita a gestão dos bens deixados pelo falecido e o cumprimento de obrigações pendentes, como pagamento de dívidas e questões fiscais.

Nomeação do inventariante

No cartório, a nomeação do inventariante é realizada por meio de escritura pública. Geralmente, os herdeiros ou seus representantes legais indicam a pessoa que desejam nomear como inventariante e sua relação com o falecido, além da sua capacidade para administrar o espólio e outras informações relevantes.

O tabelião, então, avalia se a pessoa indicada possui as qualificações necessárias para desempenhar o papel. Isso pode incluir verificar se a pessoa é maior de idade, está em pleno gozo de seus direitos civis e não possui impedimentos legais para exercer essa função.

Após essa análise, o tabelião lavra a escritura pública de nomeação do inventariante, conferindo-lhe os poderes específicos para representar o espólio perante instituições públicas e privadas. Esses poderes podem incluir o acesso a contas bancárias, a venda de bens do espólio e a assinatura de documentos em nome do falecido.

Responsabilidades do inventariante

É importante ressaltar que o inventariante assume responsabilidades importantes no processo de inventário, como a administração dos bens, a prestação de contas aos herdeiros e o cumprimento das obrigações legais e fiscais do espólio. Portanto, a escolha do inventariante deve ser feita com cuidado e consideração.

Saiba mais no Tabelionato Bianchin

Para compreender melhor o processo de inventário e a nomeação do inventariante, entre em contato conosco. Nossa equipe está preparada para fornecer as informações e orientações necessárias.

A importância da ata notarial no reconhecimento de casos de bullying e cyberbullying sob a égide da lei 14.811/24

A promulgação da lei 14.811/24, que incorporou ao Código Penal a classificação do bullying e do cyberbullying como condutas criminosas, constitui um marco legislativo de extrema importância no tocante à salvaguarda das vítimas dessas condutas imoderadas. Nesse contexto, o registro formal dessas ocorrências se torna essencial para o reconhecimento de fatos previstos como crimes e a subsequente persecução penal, conferindo segurança jurídica à veracidade dos eventos: a Ata Notarial se destaca, por conseguinte, como um instrumento jurídico extremamente relevante à tipificação penal, a evidenciar não apenas a conduta de bullying e/ou cyberbullying, mas também a denotar fé pública ao fato.

Conforme o texto de novo artigo 146-A do Código Penal, o conceito de “Intimidação sistemática (ou bullying)” consiste na prática de intimidar sistematicamente, individualmente ou em grupo, mediante violência física ou psicológica, uma ou mais pessoas, de modo intencional e repetitivo, sem motivação evidente. Essa conduta pode se dar por meio de atos de intimidação, humilhação, discriminação ou ações verbais, morais, sexuais, sociais, psicológicas, físicas, materiais ou virtuais. A pena prevista é de multa, caso a conduta não configure crime mais grave.

Já a “Intimidação sistemática virtual (ou cyberbullying)”, definida no parágrafo único de mesmo artigo 146-A do Código Penal, é determinada como a prática da intimidação sistemática realizada por meio da rede de computadores, redes sociais, aplicativos, jogos online ou qualquer outro meio ou ambiente digital, transmitida em tempo real. Para essa forma de Bullying, a legislação estabelece uma pena mais severa, com reclusão de 2 a 4 anos, além de multa, se a conduta não constituir crime mais grave.

Na conjuntura contemporânea das interações humanas, notadamente marcada pela onipresença das redes sociais e meios digitais, torna-se imperativo abordar a complexidade dessa realidade. Em 2023, observou-se um notável aumento em âmbito nacional nos registros notariais de casos de bullying e cyberbullying, apontando para a importância de uma compreensão mais profunda sobre a necessidade de promover não apenas um tratamento respeitoso ao próximo, mas também de incentivar medidas que favoreçam a redução ou eliminação desses incidentes, juntamente com a aplicação de medidas punitivas quando necessário. Assim sendo, em meio à ausência de urbanidade e, mais preocupante ainda, nas situações que acarretam danos mais graves aos bens jurídicos, a Ata Notarial emerge como um meio de prova crucial, dotado de presunção de veracidade.

A Ata Notarial, cuja legitimidade é respaldada no artigo 384 do CPC (lei 13.105/15), se destaca como um instrumento jurídico fundamental na efetivação dos direitos das partes envolvidas e no compromisso com a busca pela justiça. Sua importância é revelada ao antecipadamente documentar eventos, conferindo-lhes fé pública e, assim, consolidando-se como um suporte inestimável no arcabouço jurídico voltado à proteção das vítimas de intimidações sistemáticas, sendo elas online ou não.

O documento, elaborado por um tabelião de notas, desempenha um papel crucial ao relatar de maneira imparcial os fatos ou circunstâncias presenciadas por este profissional. Ao conferir fé pública a determinados acontecimentos, devido instrumento antecipadamente se constitui como uma prova que pode ser utilizada em processos judiciais; essa função torna-se particularmente relevante nos casos de bullying e cyberbullying, onde a obtenção e preservação de evidências são imprescindíveis para o desdobramento da persecução penal. Num contexto em que a razoabilidade e o respeito frequentemente são negligenciados, a Ata Notarial emerge como um elemento essencial na busca por Segurança Jurídica, especialmente no enfrentamento de práticas ilícitas como o Assédio e crimes contra a honra, a contribuir para a construção de um ambiente jurídico mais justo e equitativo.

Ao abranger diversos tipos de situações, a Ata Notarial oferece flexibilidade na documentação de elementos probatórios: pode ser empregada para comprovar a existência de conteúdos publicados em sites ou redes sociais, mensagens em dispositivos móveis, registros de aplicativos de mensagens, ou qualquer outra circunstância que envolva práticas prejudiciais. A fé pública conferida à Ata Notarial criada pelo tabelião atesta a veracidade dos fatos presenciados; logo, confere ao documento um valor probatório robusto e irrefutável. Isso não apenas simplifica a coleta de provas, mas também eleva a credibilidade das evidências apresentadas no âmbito judicial. Neste sentido, o autor Luiz Guilherme Marinoni1 expressa em livro de sua autoria:

“ata notarial é o instrumento público por meio do qual o notário certifica – por meio da sua condição pública, e do decorrente dever de imparcialidade – a ocorrência de certo fato, por ele presenciado. Por óbvio, considerando que o notário atua aquicom imparcialidade, na função de mero ‘certificador’ da ocorrência do fato por ele verificado, é vedado a ele a emissão de qualquer juízo de valor sobre aquilo que atesta, bem como atestar fatos ‘supostos’ ou por ele não pessoalmente presenciados”.

Destacamos ainda a jurisprudência que confere à Ata Notarial um status de prova irrefutável, fortalecendo sua significativa relevância no âmbito jurídico:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – REGISTRO E ESCRITURA PÚBLICA – DOCUMENTOS DOTADOS DE FÉ PÚBLICA – PRESUNÇÃO DE VERACIDADE. Em virtude da fé pública notarial e registral, o instrumento lavrado ou registrado pelos notários e oficiais competentes, tem a aptidão de provar os fatos neles narrados, tem-se como verdadeiros os fatos neles afirmados. Embora as declarações firmadas pelo notário ou pelo registrador possam ser inverídicas ou estar contaminada por vícios, como o erro, dolo, coação, estado de perigo, fraude, simulação, neste caso o interessado necessita anular ou nulificar judicialmente o negócio jurídico, comprovando o ato falso ou viciado, e invalidando o ato ou negócio jurídico. Antes disso, não se pode atribuir ato ilícito ao notário. (TJ/MG – AC: XXXXX20442094001 MG, Relator: Marco Aurelio Ferenzini, Data de Julgamento: 3/4/18, Data de Publicação: 13/4/18)

Adicionalmente, é imperativo ressaltar que a Ata Notarial transcende sua função no âmbito jurídico, assumindo uma relevância crucial na conscientização social e prevenção desses crimes. Seu emprego efetivo não apenas robustece a posição das vítimas, a assegurar a integridade e autenticidade de seus relatos, mas também desempenha um papel essencial na edificação de uma consciência coletiva mais ampla sobre os impactos perniciosos de intimidações sistemáticas na sociedade contemporânea. O efetivo uso da Ata Notarial, portanto, não apenas resguarda direitos individuais, mas também contribui para um panorama mais amplo de prevenção e sensibilização em relação a essas práticas prejudiciais.

Em síntese, a Ata Notarial é revelada como uma aliada de inestimável valor no enfrentamento de condutas ilegítimas, inclusive aquelas tipificadas penalmente. Sua intrínseca capacidade de antecipar a constituição de provas, conjugada à sua substancial robustez probatória, não só simplifica o labor das instâncias judiciárias, mas também desempenha um papel crucial na construção de uma sociedade mais equitativa e imune a essas práticas prejudiciais. A adoção criteriosa da Ata Notarial, portanto, emerge como uma imperatividade na salvaguarda dos direitos das vítimas e na promoção da responsabilização efetiva dos perpetradores, a contribuir, por conseguinte, para um panorama social mais resiliente e ético diante dos desafios representados pelo bullying e cyberbullying.

1 MARINONI, Luiz Guilherme et al. O novo processo civil. 2.ª ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.

Fonte: Migalhas