Norma publicada em setembro possibilita que pais deem nome ao natimorto nos cartórios de registro civil. Neste ano, quase 50% dos 21 mil bebês que nasceram mortos no país foram registrados.
A chegada de um bebê é um momento muito esperado. No entanto, nem todos recebem boas notícias na hora do parto. De acordo com a Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen), por ano, cerca de 21 mil crianças nascem mortas no Brasil.
Uma norma publicada em setembro pela Corregedoria Nacional de Justiça, órgão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), permite que os pais dessas crianças, chamadas de natimortas, registrem o nome do bebê nos cartórios. Essa possibilidade começou em alguns estados em 2013 e, ano a ano, foi sendo ampliada.
Em 2023, quase 50% das crianças natimortas foram registradas no país, diz a Arpen.
“É importante para nós, como família, ter esse registro. Minha filha não está aqui nos meus braços, mas tenho o documento de nascimento dela guardadinho. É uma forma de mostrar que ela veio ao mundo, mesmo não tendo permanecido”, diz Pâmela Alves, mãe de Maria Clara Alves, que nasceu morta em 2022.
De acordo com o Provimento nº 151/23 do CNJ, passa a ser “direito dos pais atribuir, se quiserem, nome ao natimorto, sendo também possível àqueles que tiveram filhos natimortos realizarem esta inclusão em um registro já feito anteriormente, quando a inclusão do nome não era permitida por norma estadual ou nacional”.
Alguns estados permitem registro desde 2013
A possibilidade de inclusão do nome em crianças natimortas teve início em 2013, quando São Paulo, Minas Gerais e Pernambuco expediram normas autorizando este tipo de registro em cartório de registro civil. Depois, outros estados foram normatizando o procedimento, que hoje é regulado em 23 unidades da Federação.
Atualmente, apenas Acre, Amapá, Espírito Santo, Tocantins e Sergipe não possuem norma local que permita a inclusão do nome no registro de natimorto, mas os estados estão incluídos na norma nacional.
Em 2013, quando as primeiras normativas foram publicadas, o total de crianças natimortas com nome correspondia a 4%. A medida que outros estados passaram a adotar a norma, o índice foi aumentando:
- 2014: 13,4%
- 2018: 19,1%
- 2020: 31,5%
- 2022: 41%
- 2023: 49,1%
A expectativa é que a normativa nacional eleve este número 80%, segundo a Arpen-Brasil.
‘Olhar sensível’
Para o Corregedor Nacional de Justiça, Ministro Luis Felipe Salomão, “a padronização nacional inserta no Provimento n. 151/2023, que possibilita aos pais atribuírem nome ao filho que nasce morto, inclusive de forma retroativa, demonstra um olhar sensível para essa situação bastante infeliz e traz alento às famílias que têm que lidar com essa difícil perda”.
“Trata-se de mais um avanço humanitário em homenagem àqueles pais que aguardaram tão ansiosamente o nascimento de um filho, comprando roupas, montando o quarto, enfim, fizeram todos os preparativos para a grande chegada e que por razões da vida não puderam concluir esse sonho. Com a medida, espera-se atenuar a dor desses pais, permitindo-lhes a continuidade da vida com a lembrança de um filho, cujo nome guardarão para sempre”, explica Gustavo Renato Fiscarelli, presidente(Arpen-Brasil).
A Arpen explica que o registro de natimorto ocorre apenas quando uma criança já nasce morta. Caso a mãe dê à luz a um recém-nascido com vida e depois ele venha a falecer são feitos dois registros, o de nascimento e o de óbito, e em ambos o nome da criança é obrigatoriamente registrado.
No DF
De acordo com a Arpen- Brasil, por ano, cerca de 500 crianças nascem mortas no Distrito Federal. Com a medida, cerca de 11,9% dos bebês natimortos em Brasília tiveram o nome registrado em cartório.
A possibilidade de registrar a criança natimorta no DF começou em 2013, quando o Tribunal de Justiça e Territórios do DF (TJDFT) expediu o Provimento 31. No entanto, a norma foi publicada em 2019.
Para o coordenador de Correição e Inspeção Extrajudicial do TJDFT, Pacífico Nunes, a atribuição de prenome e sobrenome ao bebê que nasceu morto, no registro, é importante para a família “porque dá eficácia ao princípio da dignidade da pessoa humana, além de colocar em evidência o dever do Estado de assegurar à criança e ao adolescente com absoluta prioridade, o direito à dignidade e ao respeito”
A assistente administrativa Pâmela Alves, de 36 anos, foi uma das pessoas que, no ano passado, registrou o nome da filha. Maria Clara Alves morreu quando a mãe completou 39 semanas de gestação.
“Foi uma gravidez aparentemente tranquila, mas em um exame descobri que o coração não batia mais”, conta Pâmela.
A técnica de enfermagem Vanessa, de 31 anos, sonhava em ter um menino. Mãe de duas adolescentes, ela conta que ter engravidado pelo terceira vez foi uma alegria. O parto estava previsto para 26 de outubro.
“No dia 20 [de outubro], fui fazer um exame e ele já estava sem vida”, conta. Ela estava grávida de 41 semanas. “Não sei bem o que aconteceu, se já tinha passado do tempo, mas perdi meu menino”.
Vanessa diz que registro é o que guarda de lembrança do filho tão esperado. “É importante saber que ficou algo dele aqui comigo”.
Natimortalidade do Brasil
O Ministério da Saúde informou que a natimortalidade tem múltiplas causas no Brasil. De acordo com o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), 21,5% das mortes fetais têm causas não especificadas, ao passo que 15% decorrem de hipóxia intrauterina não especificada (falhas do sistema de trocas gasosas).
Outras causas elencadas são:
- Malformações graves
- Infecção congênita por citomegalovírus
- Transtornos do aparelho digestivo, cardiológico, respiratório, hematológico, endócrino ou cerebral, relacionados ao período perinatal
- Hidropisia fetal
- Placenta prévia
- Deslocamento prematuro da placenta
- Sífilis congênita
- Afecções maternas
- Restrição de crescimento intra-uterino.
Segundo o Ministério da Saúde, antes de qualquer decisão ou procedimento, os profissionais de saúde realizam uma avaliação cuidadosa para confirmar a morte fetal. “Isso pode incluir a utilização de ultrassonografia e a auscultação dos batimentos cardíacos”, diz a pasta.
Os procedimentos que se seguem à morte fetal constatada podem incluir o parto, conforme o desenvolvimento do feto e as condições clínicas da mãe ou outros, a depender das circunstâncias.
“É fundamental considerar que a qualidade do preenchimento da Declaração de Óbito (DO) e outras variáveis, como peso ao nascer e momento do óbito em relação ao parto, são essenciais para esclarecer se o óbito foi neonatal ou fetal. A investigação dos óbitos fetais em tempo oportuno contribui para a maior fidedignidade das informações”, diz o ministério.
Fonte: G1